terça-feira, 22 de outubro de 2013

E agora José ?

“Repeti inúmeras vezes que vamos à escola para adquirir habilidades acadêmicas e profissionais, ambas muito importantes. Na década de 1970, quando eu frequentava o segundo grau, se alguém fosse bem-sucedido academicamente, quase imediatamente imaginava-se que esse estudante brilhante se tornaria um médico. Muitas vezes nem se perguntava se o jovem desejava ser médico. Era uma pressuposição. Era a profissão que prometia a maior recompensa financeira. Hoje, os médicos enfrentam dificuldades financeiras que não desejaria a meus piores inimigos: seguradoras controlando os negócios, cuidados de saúde administrados, intervenção governamental e processos por erro médico, para mencionar algumas. E a garotada quer ser estrela do basquete, jogador de golfe como Tiger Woods, gênio da computação, estrela do cinema, roqueiro, rainha de beleza ou corretor de Wall Street. Isso ocorre, simplesmente, porque é aí que estão a fama, o dinheiro e o prestígio. Eis o motivo por que é tão difícil motivar a garotada na escola. Eles sabem que o sucesso profissional já não depende apenas do sucesso acadêmico como em outros tempos.”
KlYOSAKI, Robert T, Pai rico, pai pobre, Ed. Campus, 21ª ed.
(Robert Kiyosaki é PhD em Finanças, New York University,

Professor e Díretor do PDG/IBMEC Business School)


Se nossos jovens não se interessam em aprender, não temos condições de ensinar. Se o estudante não estuda e se não há ensino sem aprendizagem, como é que o professor ensina ? Não ensina pois o aluno não aprende. Ou melhor, seguem ensinando, forçados pelas diversas contingências e violências às quais são submetidos. Mas o aluno segue não aprendendo. Ou melhor, não aprende o que - ou o quanto - deveria aprender, haja visto o péssimo desempenho escolar dos estudantes brasileiros, demonstrado pelos números absolutamente ridículos das avaliações externas. 
Não existe espaço para tantos Tiger Woods, Michael Jacksons, Beyoncés, Messis e até mesmo Bill Gates; casos de "sucesso" individual e elevados a ícones da meritocracia, competição e do próprio capitalismo. Mas... temos que importar médicos e engenheiros para cuidar de nós mesmos em nossa miséria e ignorância. Até mesmo para serem contratados como vendedores de loja nossos jovens egressos do ensino médio encontram dificuldades. A Apple está tentando, há meses e sem sucesso, preencher as inúmeras vagas para poder inaugurar sua Apple store no Rio de Janeiro, ainda antes da Copa. Já está tudo pronto, só faltam os profissionais. E não consegue preencher as vagas com jovens brasileiros... 
Enquanto isso, a cada ano são despejadas nas ruas, hordas de seres humanos sem o menor preparo profissional, sequer com educação básica. E essa horda está indo para debaixo do tapete, engrossando as filas do desemprego juvenil que já é maior do que o desemprego em qualquer outra faixa etária. Um fato social absurdamente inédito. E esse acúmulo sob o tapete está criando um calombo que, alimentado pela omissão e pelos discursos inócuos, a qualquer momento, invariavelmente, irá provocar o tropeço dos despreocupados transeuntes a caminho do Shopping ou do aeroporto. 

segunda-feira, 12 de agosto de 2013

Competência, ambivalência e modernidade em Bauman

Fichamento: 
MODERNIDADE E AMBIVALÊNCIA 
Zygmunt Bauman
meus comentários em verde.
por Márcio L. Rangon

“A ambivalência, possibilidade de conferir a um objeto ou evento mais de uma categoria, é uma desordem específica da linguagem, uma falha da função normativa (segregadora) que a linguagem deve desempenhar. O principal sintoma de desordem é o agudo desconforto que sentimos quando somos incapazes de ler adequadamente a situação e optar entre ações alternativas.
É por causa da ansiedade que a acompanha e da consequente indecisão que experimentamos a ambivalência como desordem – ou culpamos a língua pela falta de precisão ou a nós mesmos por seu emprego incorreto. E no entanto a ambivalência não é produto da patologia da linguagem ou do discurso. É antes, um aspecto normal da prática linguística. Decorre de uma das principais funções da linguagem: a de nomear e classificar. Seu volume aumenta dependendo da eficiência com que essa função é desempenhada. A ambivalência é, portanto, o alter ego da linguagem e sua companheira permanente – com efeito, sua condição normal.
(...) A mudança produzida no mundo do homem moderno pela ascensão da competência especializada e a irrefreável tecnologização do ambiente humano foi radical e, com toda probabilidade, irreversível.  O mundo humano jamais será novamente como foi antes da ascensão da tecnologia. Se a mudança produz maior felicidade ou miséria mais funda é questão discutível e fadada a continuar a sê-lo. (...) A informação como valor mensurável divorciou-se – e emancipou-se – do  “conteúdo” semântico das declarações. (...) No seu decidido impulso para uma eficiência técnica maior, a competência especializada deve dissolver todas as “totalidades” – pois se concentra, ao contrário, nos seus segmentos acessíveis e controláveis. Essa perpétua tendência da competência especializada adquiriu recentemente uma formidável extensão (e um desvio potencialmente sinistro) com o advento da tecnologia da informação e particularmente das novas totalidades com a interconexão de amplas redes de computadores.  Para o desenvolvimento dessas totalidades, a espantosa especialização entranhada na produção de software, como toda competência técnica, só pode contribuir de maneira parcial. (...) Continuamente, novos fragmentos são acrescentados ao sistema total com pouco (se é que algum) conhecimento do seu impacto no conjunto de programas introduzidos antes. Apesar de (ou por?) ser um produto altamente artificial, feito pelo homem, o sistema computacional desenvolve-se mesmo assim de uma forma espontânea, descontrolada, como que natural, de modo que ninguém é capaz de supervisionar o efeito total. (...) Os maiores sistemas de software crescem de modo descontrolado, cada vez mais incompreensível. Se surge um problema, uma nova peça do programa é escrita num “arranjo” tecnológico imediato, que pode resolver o problema a curto prazo mas cujos efeitos a longo prazo nos programas estabelecidos são desconhecidos e totalmente imprevisíveis. Por isso os maiores sistemas de software evoluem de forma desorganizada, com alguns programadores entendendo fragmentos aqui e acolá, mas ninguém entendendo o sistema como um todo. (...)”
{E essa condição leva à consequência da maximização da flutuação da responsabilidade pelo resultado final da ação.  Todos tem a máxima competência técnica e especializada sobre o produto específico de seu fragmento do conhecimento. No entanto, ninguém tem a competência - e portanto, a responsabilidade objetiva e subjetiva - sobre o produto final do sistema, seus resultados e impactos}.
 “O advento dos sistemas de computador apenas deu novo impulso a uma velha e permanente tendência da especialização tecnicamente orientada – e possibilitou que se desenvolvesse numa escala sem precedentes e até então inconcebível. A competência especializada só é exercida de forma adequada se as consequências sistêmicas do desempenho orientado pelos problemas se perdem de vista ou são deliberadamente postas de lado. (...) Antes da era do computador, eram outros especialistas que lidavam com os efeitos colaterais das práticas especializadas; sempre havia uma pessoa identificável por trás de cada ação. Podia-se discutir interminavelmente o grau efetivo de responsabilidade de cada pessoa e qual das muitas ações interligadas era a causa decisiva de um dado efeito. A discussão podia, porém, ser levada em termos pessoais. Foi essa possibilidade que o advento dos sistemas computacionais simplesmente eliminou. (...)
As instituições socialmente geradas para combater a ambivalência individual tornaram-se os principais mecanismos para manter vivo, reanimar e fortalecer o próprio fenômeno que definiam como a mais sinistra das perdições da vida, o próprio fenômeno cuja eliminação definitiva era declarada como a razão de ser dessas instituições. Elas geram mais ambivalência do que subjugam e desse novo efeito extraem a energia de que precisam para gerar ainda mais ambivalência e a legitimação para continuarem sua ação...
A soma total da ambivalência parece crescer irrefreavelmente. A ambivalência parece medrar dos próprios esforços para destruí-la, tornando cada vez mais distante e nebulosa a perspectiva original de um mundo ordeiro e racionalmente estruturado inscreito num sistema social igualmente ordeiro e racional. A ânsia instruída de escapar à “confusão” do mundo exacerbou a própria condição de que se queria escapar.”
 {A criação de um mundo livre de ambiguidade, fruto do racionalismo, fracassou. No entanto, também não será da ambivalência contemporânea que surgirá uma ordem racional e responsável.}
“ A sociedade moderna parece agora reconciliar-se lentamente à inelutável parcialidade das ordens que é capaz de construir – e assim à ausência de finalidade de qualquer projeto ordenador e à permanência e onipresença da ambivalência. Deve fazer o melhor da condição com a qual não está mais em guerra; para isso, no entanto, teria que renegar sua cruzada contra a ética e os valores “irracionais” em geral.”
         {A flutuação da responsabilidade aliada às externalidades econômicas (que são os efeitos colaterais de uma decisão sistêmica sobre aqueles que não participaram dela, como por exemplo, os impactos ambientais), geram um quadro sombrio onde todos concordam que  tem responsabilidades (culpa) sobre o sistema em geral, mas ninguém sabe realmente o que acontece a partir daquilo que faz, a partir de sua ação (ainda que competente) sobre um fragmento da realidade, embora tem a certeza, dada pela legitimação social de sua competência, de que faz aquele algo melhor do que qualquer um.}