Fichamento:
MODERNIDADE E AMBIVALÊNCIA
Zygmunt Bauman
meus comentários em verde.
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em 09/08/13
por Márcio L. Rangon
“A ambivalência, possibilidade de conferir
a um objeto ou evento mais de uma categoria, é uma desordem específica da
linguagem, uma falha da função normativa (segregadora) que a linguagem deve
desempenhar. O principal sintoma de desordem é o agudo desconforto que sentimos
quando somos incapazes de ler adequadamente a situação e optar entre ações
alternativas.
É por causa da ansiedade que a acompanha e
da consequente indecisão que experimentamos a ambivalência como desordem – ou
culpamos a língua pela falta de precisão ou a nós mesmos por seu emprego
incorreto. E no entanto a ambivalência não é produto da patologia da linguagem
ou do discurso. É antes, um aspecto normal da prática linguística. Decorre de
uma das principais funções da linguagem: a de nomear e classificar. Seu volume
aumenta dependendo da eficiência com que essa função é desempenhada. A
ambivalência é, portanto, o alter ego da linguagem e sua companheira permanente
– com efeito, sua condição normal.
(...) A mudança produzida no mundo do
homem moderno pela ascensão da competência especializada e a irrefreável
tecnologização do ambiente humano foi radical e, com toda probabilidade,
irreversível. O mundo humano jamais será novamente como foi antes da
ascensão da tecnologia. Se a mudança produz maior felicidade ou miséria mais
funda é questão discutível e fadada a continuar a sê-lo. (...) A informação
como valor mensurável divorciou-se – e emancipou-se – do “conteúdo”
semântico das declarações. (...) No seu decidido impulso para uma eficiência
técnica maior, a competência especializada deve dissolver todas as
“totalidades” – pois se concentra, ao contrário, nos seus segmentos acessíveis
e controláveis. Essa perpétua tendência da competência especializada adquiriu
recentemente uma formidável extensão (e um desvio potencialmente sinistro) com
o advento da tecnologia da informação e particularmente das novas totalidades
com a interconexão de amplas redes de computadores. Para o
desenvolvimento dessas totalidades, a espantosa especialização entranhada na
produção de software, como toda competência técnica, só pode contribuir de
maneira parcial. (...) Continuamente, novos fragmentos são acrescentados ao
sistema total com pouco (se é que algum) conhecimento do seu impacto no
conjunto de programas introduzidos antes. Apesar de (ou por?) ser um produto
altamente artificial, feito pelo homem, o sistema computacional desenvolve-se
mesmo assim de uma forma espontânea, descontrolada, como que natural, de modo
que ninguém é capaz de supervisionar o efeito total. (...) Os maiores sistemas
de software crescem de modo descontrolado, cada vez mais incompreensível. Se
surge um problema, uma nova peça do programa é escrita num “arranjo”
tecnológico imediato, que pode resolver o problema a curto prazo mas cujos
efeitos a longo prazo nos programas estabelecidos são desconhecidos e
totalmente imprevisíveis. Por isso os maiores sistemas de software evoluem de
forma desorganizada, com alguns programadores entendendo fragmentos aqui e
acolá, mas ninguém entendendo o sistema como um todo. (...)”
{E essa condição leva à consequência da maximização da flutuação da responsabilidade pelo resultado final da
ação. Todos tem a máxima competência técnica e especializada sobre o
produto específico de seu fragmento do conhecimento. No entanto, ninguém tem a
competência - e portanto, a responsabilidade objetiva e subjetiva - sobre o produto final do
sistema, seus resultados e impactos}.
“O advento dos sistemas de
computador apenas deu novo impulso a uma velha e permanente tendência da
especialização tecnicamente orientada – e possibilitou que se desenvolvesse
numa escala sem precedentes e até então inconcebível. A competência
especializada só é exercida de forma adequada se as consequências sistêmicas do
desempenho orientado pelos problemas se perdem de vista ou são deliberadamente
postas de lado. (...) Antes da era do computador, eram outros especialistas que
lidavam com os efeitos colaterais das práticas especializadas; sempre havia uma
pessoa identificável por trás de cada ação. Podia-se discutir interminavelmente
o grau efetivo de responsabilidade de cada pessoa e qual das muitas ações
interligadas era a causa decisiva de um dado efeito. A discussão podia, porém,
ser levada em termos pessoais. Foi essa possibilidade que o advento dos
sistemas computacionais simplesmente eliminou. (...)
As instituições socialmente geradas para combater
a ambivalência individual tornaram-se os principais mecanismos para manter
vivo, reanimar e fortalecer o próprio fenômeno que definiam como a mais
sinistra das perdições da vida, o próprio fenômeno cuja eliminação definitiva
era declarada como a razão de ser dessas instituições. Elas geram mais
ambivalência do que subjugam e desse novo efeito extraem a energia de que
precisam para gerar ainda mais ambivalência e a legitimação para continuarem
sua ação...
A soma total da ambivalência parece
crescer irrefreavelmente. A ambivalência parece medrar dos próprios esforços
para destruí-la, tornando cada vez mais distante e nebulosa a perspectiva
original de um mundo ordeiro e racionalmente estruturado inscreito num sistema
social igualmente ordeiro e racional. A ânsia instruída de escapar à “confusão”
do mundo exacerbou a própria condição de que se queria escapar.”
{A criação de um mundo livre de ambiguidade, fruto do
racionalismo, fracassou. No entanto, também não será da ambivalência contemporânea
que surgirá uma ordem racional e responsável.}
“ A sociedade moderna parece agora
reconciliar-se lentamente à inelutável parcialidade das ordens que é capaz de
construir – e assim à ausência de finalidade de qualquer projeto ordenador e à
permanência e onipresença da ambivalência. Deve fazer o melhor da condição com
a qual não está mais em guerra; para isso, no entanto, teria que renegar sua
cruzada contra a ética e os valores “irracionais” em geral.”
{A
flutuação da responsabilidade aliada às externalidades econômicas (que são os
efeitos colaterais de uma decisão sistêmica sobre aqueles que não
participaram dela, como por exemplo, os impactos ambientais), geram
um quadro sombrio onde todos concordam que tem responsabilidades (culpa) sobre o sistema em geral, mas ninguém sabe realmente o que acontece a partir daquilo que faz,
a partir de sua ação (ainda que competente) sobre um fragmento da realidade, embora
tem a certeza, dada pela legitimação social de sua competência, de que faz
aquele algo melhor do que qualquer um.}