quarta-feira, 4 de janeiro de 2017

Fera ferida: PCC strikes again?

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Em 2006 Marcola e a cúpula do PCC foram transferidos da Penitenciária de Avaré para o Presídio de Pres. Venceslau. A capital e todo o Estado de São Paulo conheceram a fúria do Primeiro Comando da Capital no evento que ficou conhecido como Crimes de Maio, com um saldo de 564 mortos, sendo 59 policiais e agentes públicos. O caos social se instalou em toda a população paulista em função da sensação de insegurança diante da violência do crime organizado e da impotência do Estado em garantir a lei e a ordem. Segundo o ex-Delegado Geral da Polícia Civil, Marco Antonio Desgualdo, “a ordem foi ir pra cima. Você tinha que apagar a fogueira. A polícia deu a resposta”.(1)

Pouco mais de dez anos se passaram e a maioria dos crimes de maio ainda está sem solução. Essa situação acabou gerando o movimento Mães de Maio, que luta para provar a inocência de seus filhos mortos e por justiça contra o excesso de violência das forças policiais.(2)

Pouco tempo depois de Maio de 2006, o Estado paulista retomou o controle da situação após garantir que os líderes do PCC não seriam torturados na prisão(3). Apesar do governo de SP negar que isso tenha sido um “acordo com bandidos”, o fato é que as ações do PCC, desde então, se mantiveram dentro da normalidade, ou seja, sem comprometer a autoridade do Estado (quer dizer, em termos weberianos, sem comprometer o poder do monopólio legítimo da força física do Estado).

Nesses dez anos de “calmaria”, a população carcerária no Brasil aumentou quase 50%, estando entre as quatro maiores do mundo(4). Foi nesse tempo também que o PCC estendeu seus domínios por quase todo o Brasil e extrapolou os limites nacionais, já atuando em outros países da América do Sul(5). Já a polícia brasileira – especialmente a paulista – conseguiu nesta última década a proeza de se tornar a polícia que mais mata no mundo(6).

Enfim, tudo caminhava normalmente e de forma controlada na guerra cotidiana; para cada policial morto, por exemplo, quatro pessoas iam tombando(7). Para alguns governantes, essa é uma contabilidade exitosa. Mas em 14/12/2016, a pouco mais de duas semanas, o vespeiro foi balançado. O núcleo do PCC, incluindo Marcola, foi transferido do Presídio de Pres. Venceslau para o Presídio de Pres. Bernardes, ficando em regime disciplinar diferenciado (RDD), que é a forma mais rígida de isolamento carcerário.(8)

Vespas a mil, zangões incomunicáveis, eis que, em pouco mais de duas semanas após o isolamento das cabeças dessa Hidra paulista, no 1º dia de 2017, uma rebelião no Complexo Presidiário Anísio Jobim em Manaus acaba com um saldo de 56 mortos, vários decapitados e, incrivelmente, todos membros do Primeiro Comando da Capital paulista, lá no coração da selva amazônica.(9)

Esse fato curioso revela que existe algo a mais nessa rebelião de presidiários. Revela que há uma formidável guerra sendo travada entre facções no submundo do crime organizado no Brasil; uma guerra pelo controle de território, poder e influência. E como toda guerra, é sangrenta e funciona com a mesma lógica que orienta qualquer outra disputa por poder; a lógica das alianças, acordos, traições, violência e morte.

Não é difícil concluir que, aproveitando-se do momento de fraqueza do PCC, as facções criminosas CV (Comando Vermelho) do RJ e a FDN (Família do Norte), se uniram para frear o incrível avanço do PCC, notadamente na região Norte do país. Agora, como um rato no canto da parede sob as garras dos gatos, o PCC é acuado em Manaus.

Essa que já é considerada a maior rebelião de presos do país – desconsiderando Carandiru que foi, na verdade, um massacre do Estado, uma “limpeza” em moldes fascistas tupiniquins – ela não é uma rebelião qualquer de presidiários reivindicando melhores condições ou manifestando-se contra a superlotação como já dito. É um episódio que revela uma audaciosa operação do crime organizado na luta pelo poder. Faz parte de um conflito travado num espaço prisional mas que, de fato, reflete-se em nosso próprio espaço de vida cotidiana; o crescimento do crime organizado reflete o crescimento dos furtos em nossa vizinhança, dos roubos e latrocínios diários, dos brutais assassinatos, execuções e também das simples “passadas” de droga em uma “boca” qualquer; reflete-se nos acordos e conchavos corruptos palacianos e também nos socos, pontapés e estupros das putas nas ruas, das próprias esposas dentro de suas casas e de suas crianças.    

É evidente que a luta contra o crime organizado é dificílima e não admite erros ou qualquer tipo de submissão. A sociedade precisa do Estado para haver segurança entre as pessoas e instituições. E o Estado precisa manter seu poder e autoridade para simplesmente existir. Mas esse poder e autoridade não pode ser ilimitado; é preciso que sejam respeitados os direitos e as garantias individuais e coletivas. Somos cidadãos, estamos em meio ao fogo cruzado nessa guerra e não podemos admitir danos colaterais ou balas perdidas.  

O PCC sofreu um duro golpe e está ferido, mas não está morto. Uma fera ferida é ainda mais perigosa, pois o que não mata fortalece... e enfurece. E a fúria é ainda maior quando se sente que o golpe sofrido foi desferido na “trairagem”.(10)

Enfim, como gato escaldado tem medo de água fria, passados dez anos de um mês de Maio em Estado de barbárie hobbesiana, a sociedade está novamente muito apreensiva. E o crime organizado, que cresceu no vácuo de um Estado silente quanto ao tráfico nas portas de escolas, quanto à passagem de armas nas fronteiras e quanto à permissividade de celulares e armas dentro dos muros das cadeias, já é muito maior e muito mais preparado do que há uma década. E voltando a falar em Estado, esse não pode falhar!... não novamente.


Notas: