quinta-feira, 24 de julho de 2014

Agora o sarau no céu vai bombar !






Os Nobel Garcia Márquez e Nadine Gordimer subiram um pouco antes para preparar o salão do sarau celeste. Rubem Alves subiu agorinha, e já aprontou o chá. Um pouco antes dele subiu o imortal João Ubaldo Ribeiro pra por no forno o bolo de aipim. E agora sobe outro imortal da Academia, o paraibano Ariano Suassuna. Apesar de ter escrito bastante sobre o baiano no último post do blog, sempre se tem algo mais a dizer face ao gigantismo da obra de mestres como ele. Ainda mais num momento em que perdemos outro grande mestre. Portanto, serei breve. Ariano e João foram dois brasileiros, nordestinos de peso no mundo das letras; dois imortais acadêmicos que assinalaram a alma do brasileiro na própria alma dos brasileiros. E foram além desse feito um tanto quanto provinciano. Extrapolaram para o mundo a alma do brasileiro ao terem suas obras traduzidas em diversos idiomas. Tornaram-se mestres globalizados. E isso não se deve apenas por terem o merecido reconhecimento internacional de suas obras literárias, mas também por terem suas obras adaptadas com sucesso por uma das maiores redes de comunicação do mundo: a Rede Globo. Quem não se lembra do Auto da compadecida e da Pedra do Reino do Ariano Suassuna que, com o Sorriso do Lagarto do companheiro João, foram algumas das pérolas mais preciosas produzidas pelo já decadente império dos Marinho ?
O excesso de refilmagens e a “inexplicável” queda de audiência da novela do momento são expressões evidentes da decadência global. E, se essa decadência não é consequência da indiscutível qualidade técnica, cenográfica e material da chácara da Pedra Branca, então de onde vem ? Só pode vir da absurda falta de qualidade dos roteiros, consequência da falta de originalidade e criatividade de um bem não material, que rareia cada vez mais no mercado: a ousadia de escrever de verdade. Não "a verdade" mas "de verdade". O bom escritor é aquele que consegue contar grandes mentiras com muita  verdade. Faltam boas histórias, bons enredos, bons personagens. E isso não se dá pela escassez de boas cabeças, pois quase todas aquelas que dirigem as penas – ou melhor, os mouses - são altamente preparadas, graduadas e com PhD. O fato é que aquilo que escasseia atualmente é a própria verdade, a verdade das letras que se imprimem no papel. Pois verdade não vem apenas com um canudo abiscoitado no além-mar; a verdade vem é do coração.
Ariano Suassuna é outra manaíba de macaxeira, daquelas de excelente safra, que desce hoje à terra, tão revolvida e nem bem assentada ainda das últimas lavras. Definitivamente, é um raro exemplar da derradeira safra de alta casta. Uma seara que nos brindou com suculentos frutos em páginas ora doces, ora salgadas, ora apimentadas, com folhas tão carnudas quanto as palmas do sertão da Paraíba, tão vigorosas quanto o grosso leite das cabras secas do primo Manuelito da fazenda Carnaúba, tão porretas quanto as raízes de mandioca da viúva monção, do colega João, companheiro das longas tardes regadas a chá e bolo de araruta no salão nobre do Castelo fluminense.
- Colegas, arrastem o sofá do velho pra um canto e vamos soltar o forró nesse salão ! - É o que deve estar dizendo agora o grande e imortal Ariano Suassuna no Sarau no céu. 

sexta-feira, 18 de julho de 2014

Sobre a profundeza das raízes de macaxeira




Houve um tempo em que aqueles que escreviam não escreviam apenas por escrever ou só porque alguém lhes encomendava a obra por um belo pacote. Houve um tempo em que a escrita era como a semeadura. Não escreviam apenas. Plantavam sementes. É certo que alguns plantavam sementes de pimenteira enquanto outros plantavam sementes de gerânios e orquídeas. Tinham ainda aqueles que plantavam sementes de abobrinha; mas abobrinha qualidade, abobrinha da boa.
Pra quem já comeu muito dos frutos dessas boas sementes, a safra de hoje parece um tanto quanto insípida, amarrando até na boca – isso quando temos coragem de levá-la à boca. Não sei se esse gosto ruim é devido à falta de paladar, já gasto pra essas novidades ou se isso se deve às contingências que a velocidade da vida nos impõe, nos obrigando a engolir as foods cada vez mais fast.  Ou talvez seja o novo jeito plástico de ser que nos faz acostumar – e até gostar - mais dos enplasticados do que das frutas coloridas, das raízes cruas ou das carnes dos pedaços de boi de verdade. Aqui cabe duas notas: enlatados já ficaram pra trás, então segue um neologismo: enplasticados. E sobre os pedaços de boi de verdade, fiquei pensando no que outro dia meu filhinho me perguntou: “pai, de que parte do boi vem o hambúrguer ?” e eu pensei... pensei e respondi: “de todas meu filho... de todas e mais algumas”. É por isso quero boi de verdade; pra mim, pros meus filhos , pros filhos dos meus filhos e pros filhos deles, mesmo que o boi seja - como vovó dizia – uma vaca depois de morto.
Mas, voltando à vaca fria, em tempos de tecnologias que fazem com que a caminhada na lua pareça brincadeira de criança, fica uma questão: será que o gosto insosso dos produtos da terra de hoje não viria dos “melhoramentos” genéticos originários daquelas experiências em Itaparica [1]?
Não sei. Só sei que nós, famintos, precisamos mais das raízes de mandioca da viúva monção, aquele aipim de 64 quilos !. “Agora, imagine isso aí, jardim por jardim, quintal por quintal. Não havia mais o problema da fome.”[2]  Pois é... sonho meu que “sou contra a fome”[3].
E no dia de hoje, nessa manhã fria, cinzenta e chuvosa, quando a tristeza se abate sobre aqueles que sentem uma fome descomunal por bons frutos de boas sementes, só resta a esperança de que aquela semente que desce à terra nesta manhã – reconhecidamente uma manaíba de macaxeira de ótima safra, talvez a última das boas – não seja esquecida pelos novos seres enplasticados comedores de fast food.
Garanto que ela não será. Pelo menos enquanto os famintos ainda estiverem por aqui a semeando.
Vá com Deus João Ubaldo Ribeiro. E, se possível, com sua caneta brilhosa e brejeira, tente riscar o nome do colega Rubem Alves – outra manaíba de aipim da mesma estirpe – do livrão de São Pedro. Isto é, se este já não estiver lavrado em um celestial arquivo word.
 


[1] RIBEIRO, João Ubaldo, O sorriso do lagarto, RJ, Alfaguara Brasil, 2009
[2] RIBEIRO, João Ubaldo, A raiz de mandioca da viúva monção, disponível em: http://www.releituras.com/joaoubaldo_mandioca.asp
[3] idem




domingo, 13 de julho de 2014

A ética protestante e o espírito do futebol

 



Com o título mundial conquistado pela equipe de futebol da Alemanha nessa Copa do Mundo da FIFA de 2014 aqui no Brasil, em pleno Maracanã, fica evidente que apenas um jogador excepcional não é garantia de sucesso num jogo coletivo como o futebol. O último bola de ouro da FIFA que levantou a taça do mundo foi o nosso baixinho Romário em 1994. Cristiano Ronaldo foi embora muito cedo dessa copa e Messi lutou até o final, mas o eficiente time alemão provou que futebol é eficiência, organização, empenho, treino e trabalho em equipe, com tudo o que isso representa.
Esperemos que agora o público entenda que o verdadeiro futebol não é feito de manhas, de malandragens, de craques que se juntam a cada quatro anos como se fosse um rachão; que não é feito de holofotes, nem de contratos publicitários milionários e nem de cabelos pintados, bigodes estilizados ou bundas redondinhas. O futebol de hoje é feito de trabalho, empenho, abnegação, planejamento e principalmente, humildade para se trabalhar em equipe.
A consagrada eficiência germânica suplantou no futebol o vigor passional dos hermanos argentinos, e de todos os latinos, inclusive dos europeus com tradição cultural latina, como a Espanha, Portugal, Itália e França, que ficaram pelo caminho.
Segundo Max Weber, o grande sociólogo alemão (!) em sua clássica obra “A ética protestante e o espírito do capitalismo”, trabalho, empenho, planejamento e abnegação fazem parte da ética protestante, pois são as condições fundamentais para o desenvolvimento desse sistema econômico que hoje domina o planeta. Já a ética católica, uma ética da paixão (sofrimento), da sorte (fortuna), do herói excepcional messiânico e mítico (Cristo) e, principalmente do mea culpa, ou da prática de "oferecer a outra face" não é adequada ao pleno desenvolvimento de um sistema onde a competição, a eficiência e a maximização da produtividade são seus fundamentos.  
Autores modernos buscam explicar o sucesso estadunidense no plano capitalista - que destoa de todos os outros países americanos ex-colônias - a partir de outro ponto de vista que não seja aquele clássico "colônia de exploração/colônia de povoamento". O caminho de Weber é adequado para ampliar essa discussão pois os EUA são um país essencialmente protestante em oposição a todos os demais países (católicos) das Américas, alguns inclusive em estado deplorável econômica e socialmente, cuja explicação para suas misérias não se sustentam apenas na teoria do imperialismo. O fracasso de Che Guevara na Bolívia só reforça a fraqueza dessa tese determinista.
Mas isso já é outra história. Afinal, quem pode negar que hoje, mais do que nunca, o futebol representa o próprio capitalismo ? O futebol de alto nível está inserido em um ambiente altamente competitivo, que movimenta bilhões de dólares, que produz atletas de alta performance, que tem por trás uma imensidão de profissionais altamente especializados, que tem um objetivo simples e claro: ser a melhor equipe para poder ganhar o jogo e o campeonato. O futebol hoje é o símbolo máximo do capitalismo globalizado.
Tanto Brasil quanto Argentina - dois dos principais países católicos do mundo; um o maior país católico do planeta, o outro, a terra do próprio Papa  - caíram sob os pés de dois dos principais países protestantes do globo; países que se rebelaram à tirania católica das indulgências, onde se originaram a Reforma Protestante de Lutero e Calvino: a Holanda, que é um pequeno conjunto de terras construídas sobre o mar e que dominou o comércio marítimo europeu no início da era moderna e a Alemanha, o país sem saída para o mar que desafiou o resto do mundo por duas vezes.  
Sem querer ser herege (?), pode-se afirmar hoje que a ética protestante pode perfeitamente ser aplicada ao espírito do futebol da atualidade. Nesse sentido, podemos tentar explicar aquilo que parece não ter explicação nessa Copa do Mundo, principalmente para nós, brasileiros, latinos e católicos, que observamos atônitos tanto a Alemanha quanto a Holanda - sim, pois 3 a 0 também é goleada, ainda que ofuscada pelo vexame avassalador da blitzpanzer - ensacarem um Brasil chorão e prostrado de joelhos, oferecendo a outra face e agradecendo não se sabe o que ao misericordioso Salvador. 
Entramos em uma nova era. Para quem conseguir ler nas entrelinhas desta Copa, deve compreender que é o fim da era dos solitários bolas de ouro da FIFA e o início da era de um novo futebol, um futebol verdadeiramente de equipe, da eficiência, que enterra definitivamente o já inexistente - ainda que muitos saudosistas tentem ressuscitá-lo "futebol arte"; é um futebol mais do que nunca alinhado à ética capitalista e portanto à a ética protestante. 
Enfim, se quisermos ser hexacampeões devemos ser menos católicos e mais calvinistas. Com tudo o que isso representa e significa.
E para finalizar: parabéns Alemanha pelo título mundial conquistado no templo do futebol na Copa no Brasil, o país mais católico do mundo... por enquanto.        

sábado, 5 de julho de 2014

A raposa e o galinho ou mais um pouco de estória sobre a lance Zuniga x Neymar

Parece fábula de Esopo mas é somente o produto de minhas reflexões sobre a polêmica do momento: Zuniga quis quebrar Neymar ? Zuniga foi maldoso ? Zuniga deveria ser punido mais severamente que Suárez ? Por que o juiz não expulsou Zuniga ?

Sendo declarado hoje o inimigo número 1 dos brasileiros nas redes sociais, atacado por todos os lados, jurado de morte pelos mais afoitos e até mesmo tendo sua filhinha como alvo de ofensas imbecis (e criminosas) no facebook, Zuniga declara que não teve a intenção de machucar Neymar.
Os campeões Ricardo Rocha e Luizão concordam que houve uma fatalidade, que houve falta sim, mas não má intenção do colombiano. Outros atletas, companheiros de ofício de Zuniga, que jogam com ele – ou contra ele - no futebol europeu (Zuniga joga no Napoli) afirmam que ele jamais teria intenção de machucar Neymar. A opinião de que houve culpa, mas não dolo por parte de Zuniga no lance que levou Neymar pro hospital é compartilhada pelo belga Mertens, pelo argentino Higuaín, por Lavezzi (ex-Napoli, hoje PSG) e muitos outros jogadores profissionais de alto nível do futebol europeu.
Antes de comentarmos o lance polêmico, vamos considerar alguns fatos:
1)                 O futebol profissional vem se tornando cada vez mais rápido, com cada vez mais contato e os atletas são cada vez maiores e mais fortes. O jogo torna-se obviamente, cada vez mais violento. Isso é fato.
2)                 Todo atleta de alto nível (que joga no futebol europeu) é grande e forte ou então torna-se grande e forte em função dos necessários treinamentos intensos e suplementos para atingir o padrão de alto rendimento requerido pela modalidade atualmente. Lembre-se por exemplo de como era a estrutura física do Ronaldinho, do Robinho ou do Ronaldo Fenômeno ANTES de irem pra Europa. Isso é fato.
3)                 Mesmo já troncudos, jogando na Europa, velozes e com suas habilidades elevadas à potência máxima possível dadas pelas suas condições físicas, esses três superatletas citados tiveram lesões graves que deixaram seqüelas profundas em suas condições físicas, diminuindo seus altos rendimentos esportivos e de alguma forma impondo certos limites às suas carreiras. Isso é fato.    
4)                 Neymar é um garoto bom de bola (assim como eram Ronaldo, Ronaldinho e Robinho). Mas ele é mais que apenas isso: Neymar é um bom menino. É o bom moço. Essa imagem é caríssima hoje para o marketing global do mundo da bola que, afinal de contas, é aquilo que sustenta o “circo do futebol”. Isso é fato.
5)                 Essa seria a Copa do Neymar. O próprio Fred declarou isso ANTES de começar a Copa e em várias ocasiões durante este Mundial. Diz que Neymar é o grande nome desta Copa, que toda a equipe vai dar o suporte para que Neymar desequilibre, etc. Fred é atacante. E até agora não fez absolutamente nada. E Felipão não tira ele do time. Toda bola parada, todo pênalti é o Neymar quem bate pra que se torne artilheiro e portanto, destaque na “Copa das Copas”. Mas quando a coisa apertou no jogo contra a Colômbia (1x1) e o fantasma da desclassificação rondou o gramado brasileiro, surgiu uma falta redentora perto da grande área. Não deu outra: coloca o David Luiz pra chutar. Todos sabem que ele é especialista nisso. Ele mesmo declarou que ficou o ano todo treinando falta no Chelsea. Foi lá, bateu e... é gol ! Brasil classificado. Tudo ok. Fatos e mais fatos.
6)                 A venda de Neymar foi a maior transação comercial entre clubes da história do futebol. Neymar é a aposta da FIFA, CBF e de todo o mercado do futebol para ser o próximo bola de ouro, consolidando a “Era Neymar” e ampliando assim, com mais um player o portfólio de mega investimentos em merchandising do setor, hoje restrito ao Cristiano Ronaldo e Messi. Fatos...
7)                 Neymar pode ser um craque, mas ainda não está fisicamente preparado para disputar um campeonato de alto nível no futebol que se joga atualmente no planeta FIFA. Não basta ser craque, tem que ser craque e um touro. Ele vem treinando muito no Barcelona e desde que chegou lá não é muito utilizado pelo treinador que prefere explorar mais o experiente (e taludo) Messi. Assim foi com o Ronaldinho e com o Ronaldo quando chegaram por lá. Em pouco tempo estavam fortes como um touro e fizeram o que fizeram em suas brilhantes carreiras. Neymar é um grande craque, tem potencial para ser o melhor do mundo durante muito tempo, mas ainda não está pronto fisicamente nem amadurecido taticamente para o futebol de alto rendimento que se pratica hoje. Ainda lhe falta experiência internacional para encarar uma Copa. Ainda mais pra tentar ser destaque em uma. Fatos, fatos, fatos.
8)                 No jogo Brasil x Colômbia, houve uma falta no qual a câmera focalizou em slow motion as travas da chuteira do zagueiro colombiano afundando na parte externa do joelho esquerdo do Hulk. Eu, que tenho dois parafusos no ligamento do meu joelho direito (por causa do abençoado futebol de churrasco) pensei na hora: “ai ! estourou o joelho do Hulk”. Qual não foi minha surpresa quando vi que o nosso monstro do bumbum que causa frisson nas raparigas se levantava mancando só um pouquinho e dali a pouco estava correndo como um cervo pelo gramado. Ou seja, se esse lance tivesse sido aplicado no joelho do Neymar - e não na massa muscular que envolve o joelho do Hulk - fatalmente o nosso atual galinho estaria no hospital, mas com remendos nos ligamentos e não com imobilização de coluna. Isso é fato.       

Conclusão (a única conclusão possível): Neymar não poderia estar jogando esta Copa. Foi exigido muito desse garoto em função de gigantescos interesses comerciais globais. E esses interesses só existem por causa da existência de uma insana ânsia pela conquista de um hexa, de um caneco, de mais uma estrela na camisa... mas isso já é assunto pra outro artigo, algo como: Por que o futebol é o que é; quais as motivações psicossociais que sustentam o mega circo global da bola.    


Bem, agora se analisarmos “futebolisticamente” o vídeo do lance, sem as paixões que porventura possam nublar nossa percepção e coerência, facilmente chegaremos às seguintes conclusões:

        
1)                 Neymar se coloca de frente pra uma bola descendente e completamente de costas pra um adversário que obviamente vem dividir a bola com ele. Não estamos falando de um lançamento, mas de uma bola espirrada, com tempo pros jogadores de ambos os lados se posicionarem pra dividi-la. Enfim, é claro que a bola será dividida, estamos numa Copa do Mundo e não numa pelada entre amigos. E não se divide bola alta no chão. Qualquer um sabe que tem que pular e dividir lá em cima. Isso é fato. Conclusão: primeiro erro do Neymar, que denota falta de experiência em futebol de alto rendimento e alto nível.   
2)                 Neymar pára no instante anterior ao tempo da bola para se colocar e “matar” a bola no peito (ou joelho). Ele não “sobe” pra dividir uma bola que tem que subir; todos sobem, um se apoiando no adversário pra enfim “dividir” o lance e sair ganhando, na força e no grito. Além disso, ele pára, sem olhar pra trás (sem dar luz de freio...) de costas, na frente de um adversário que vem dividir uma bola descendente (dividir no alto, é claro) em um jogo de Copa do Mundo. Ou seja, ele não sobe a fim de esperar a bola cair no seu pé – como se ninguém estivesse ali pra disputar essa bola com ele – e o que é pior, ele pára seu movimento no instante anterior ao choque pra se colocar no tempo da bola (tempo da bola no chão) a fim de dominá-la. Enfim, não dá pra querer fazer isso nem na pelada do churrasco entre amigos lá no sítio da Tia Geralda. Conclusão: segundo erro do Neymar, que denota falta de experiência em futebol de alto rendimento e alto nível.   
3)                 Zuniga chega na velocidade e sobe pra dividir a bola no alto. Mas Neymar não sobe, e ainda pára de costas na frente do “trem” que chega com tudo por trás, subindo e se apoiando no adversário. Reparem que Zuniga olha pra cima (pra bola) até o instante do toque e que a “paradinha” do Neymar na verdade coloca a coluna deste no raio de ação do joelho daquele, que já estava no alto. Reparem que ele está olhando pra cima até então e que, após o inevitável choque ele olha pro Neymar bem abaixo e tira o joelho das costas do colega.    

Enfim, procurando responder as perguntas do início deste texto, veja se você concorda caro leitor: Zuniga cometeu falta, mas não teve intenção de machucar Neymar. Tem culpa, mas não tem dolo. Zuniga não foi maldoso, ele só é um bom jogador de alto nível: tem habilidade, técnica, velocidade e força. Se assim não fosse, não seria um profissional contratado a preço de ouro por um time de primeira linha como o Nápoli e não seria convocado pela seleção colombiana para defender sua bandeira no Mundial. Zuniga não é maldoso, o futebol de hoje é que é um tanto “maldoso”, por ser mais violento. A questão é: por que o futebol de hoje é mais violento ? A resposta deveria considerar uma outra pergunta: Por que o MMA faz mais sucesso que o boxe hoje em dia ? Será que é porque nós queremos ver mais suor, mais garra e  mais sangue ?... mas isso é um tema pra outra reflexão.  Enfim, Zuniga deveria ser punido sim senhor, mas deveria ser punido no jogo, por causa do lance no jogo, pelas regras do jogo; deveria levar um cartão amarelo ou até mesmo ser expulso. Mas não foi. Portanto, não tem sentido puni-lo agora. A punição nesse caso só se explicaria pelo motivo infundado racionalmente – mas não psicossocialmente – de compensação do sentimento coletivo de perda (de nosso maior craque e, por conseguinte, das chances de conquista do hexa). Atentemos para o fato de que esse é o mesmo fenômeno psicossocial que por exemplo, leva uma comunidade pacata de donas de casa a lincharem até a morte um suspeito de um crime qualquer.  

Zuniga errou. Mas errou por não ter considerado o adversário como sendo um “café com leite”, um galinho ainda no forno, em preparação. Errou (?) por considerá-lo um jogador profissional, com condições de participar daquela disputa de alto nível e alto rendimento; um ambiente que pressupõe não só a habilidade (coisa que o Neymar tem de sobra) mas também técnica, velocidade, força e experiência. Afinal, isso é Copa do Mundo, o jogo é esse, é assim que se joga. A brincadeira é de gente grande; grande, forte e experiente, três qualidades que (ainda) faltam ao brilhante e simpático Neymar.


Quanto ao juiz, lamentável arbitragem. O verdadeiro culpado por esse jogo ter tomado proporções de guerra e enfrentamento físico. Na véspera Felipão dizia que temia menos a Colômbia que o Chile pois não havia rivalidade entre as duas seleções assim como há entre Brasil e Argentina, Uruguai ou Chile que o jogo transcorreira como sendo um jogo e não uma guerra. Infelizmente não foi o que aconteceu, o que nos custou uma importante baixa nas trincheiras para as próxias batalhas. Mas vamos fazer um esforço de tentar compreender os juízes que apitam contra o Brasil como sendo conservadores ao extremo, cuidadosos e até mesmo medrosos. Com a repercussão das insinuações nas redes sociais após o pênalti “roubado” para o Brasil no jogo de  abertura da Copa pelo mesmo juiz que já “estava nos devendo uma”, os juízes tem medo de apitar a favor do Brasil e assim contribuir para uma possível conquista brasileira no Mundial, corroborando, dessa forma, a esdrúxula tese de que a Copa foi comprada. Portanto, quanto a essa questão de péssima arbitragem, creio que vamos ter que nos acostumar até o fim da competição, mesmo que o fim, para nós, nação desfalcada e sensivelmente chorosa (ou chorona), seja nesta terça-feira, dia 08/07 na peleja contra os insensíveis e robóticos alemães.      

quinta-feira, 3 de julho de 2014

A culpa é do professor






A crise pela qual passa a educação é culpa do professor. Todos sabem disso, inclusive os próprios professores, que sentem ainda mais a culpa por aceitar essa culpa. Culpa por ter que ensinar para quem não quer aprender; ou melhor, para quem não precisa aprender (ou julga que não precisa). Culpa por ter que trabalhar pra quem não quer pagar. Culpa por aceitar diariamente a humilhação de alunos, pais, empregadores e até mesmo dos colegas de classe, uma classe trabalhadora que, paradoxalmente se arroga o direito e o dever de ensinar e "conscientizar" as pessoas, quando ela mesma deixou, a muito tempo, de ter consciência de classe. Culpa por aceitar o salário mais baixo entre os brasileiros graduados em nível superior. Culpa por insistir em ser, mesmo sem a contrapartida de reconhecimento social e financeiro, a classe trabalhadora com maior número de profissionais com especialização, mestrado e doutorado deste país, ainda semianalfabeto. Culpa por procurar essa especialização extraindo os recursos de seu próprio e minguado bolso - quase um desvio de verba em seu parco orçamento familiar, ao competir com as bocas de sua própria família. Culpa por deixar inclusive sua família de lado a fim de corrigir provas, preparar aulas melhores e especializar-se. Culpa por aceitar as esdrúxulas – e por vezes imorais - "estratégias" de ensino "adequadas" ao bom desempenho dos alunos nas discutíveis avaliações externas. Culpa por permanecer inerte, mesmo tendo o conhecimento de que há pouco mais de meio século o salário e o prestígio social de um professor brasileiro equiparava-se ao de um juiz de direito. Culpa por não enxergar suas verdadeiras culpas e aceitar que sua única culpa é não assumir - dadas as reais condições - a impraticável formação docente contínua. Culpa em carregar a culpa por  alienar-se à ideologia dominante desse neo divide et impera no qual se transformou o sistema educacional, com a selvageria das atribuições de aulas e dos demais processos docentes; processos que objetivam dividir a classe trabalhadora pensante, que objetivam castrar sua autonomia, seu livre pensar e a livre associação saudável e garantida por lei. Essas são as verdadeiras condições fundamentais e insofismáveis do ofício de professor. O dia em que os professores retomarem sua consciência perdida e agirem como mestres que verdadeiramente são, nenhuma amarra construída por esse sistema de divisão-degeneração-autoengano poderá conter a única e verdadeira revolução que queremos e que o país precisa urgentemente: a revolução na educação. Portanto, sabendo que nenhuma revolução vem de cima pra baixo, é chegada a hora de agir. E agir é apenas assumir sua própria postura perdida, é ser o que deixou de ser há muito tempo. Ser professor. Sinta no coração a força de seu ofício e apenas seja um professor, de corpo e alma.