Houve um
tempo em que aqueles que escreviam não escreviam apenas por escrever ou só porque
alguém lhes encomendava a obra por um belo pacote. Houve um tempo em que a
escrita era como a semeadura. Não escreviam apenas. Plantavam sementes. É certo
que alguns plantavam sementes de pimenteira enquanto outros plantavam sementes
de gerânios e orquídeas. Tinham ainda aqueles que plantavam sementes de
abobrinha; mas abobrinha qualidade, abobrinha da boa.
Pra quem já
comeu muito dos frutos dessas boas sementes, a safra de hoje parece um tanto
quanto insípida, amarrando até na boca – isso quando temos coragem de levá-la à
boca. Não sei se esse gosto ruim é devido à falta de paladar, já gasto pra
essas novidades ou se isso se deve às contingências que a velocidade da vida nos impõe, nos obrigando a engolir as foods cada
vez mais fast. Ou talvez seja o novo jeito plástico de ser
que nos faz acostumar – e até gostar - mais dos enplasticados do que das frutas
coloridas, das raízes cruas ou das carnes dos pedaços de boi de verdade. Aqui cabe
duas notas: enlatados já ficaram pra trás, então segue um neologismo:
enplasticados. E sobre os pedaços de boi de verdade, fiquei pensando no que outro dia meu filhinho me perguntou: “pai, de que parte do boi vem
o hambúrguer ?” e eu pensei... pensei e respondi: “de todas meu filho... de todas e mais algumas”. É por
isso quero boi de verdade; pra mim, pros meus filhos , pros filhos dos meus
filhos e pros filhos deles, mesmo que o boi seja - como vovó dizia – uma vaca
depois de morto.
Mas, voltando
à vaca fria, em tempos de tecnologias que fazem com que a caminhada na lua pareça brincadeira de criança, fica uma questão: será que o gosto insosso dos produtos
da terra de hoje não viria dos “melhoramentos” genéticos originários daquelas experiências em Itaparica [1]?
Não sei. Só
sei que nós, famintos, precisamos mais das raízes de mandioca da viúva monção,
aquele aipim de 64 quilos !. “Agora, imagine isso aí, jardim por jardim, quintal
por quintal. Não havia mais o problema da fome.”[2]
Pois é... sonho meu que “sou contra a
fome”[3].
E no dia de
hoje, nessa manhã fria, cinzenta e chuvosa, quando a tristeza se abate sobre
aqueles que sentem uma fome descomunal por bons frutos de boas sementes, só
resta a esperança de que aquela semente que desce à terra nesta manhã –
reconhecidamente uma manaíba de macaxeira de ótima safra, talvez a última das
boas – não seja esquecida pelos novos seres enplasticados comedores de fast food.
Garanto que ela
não será. Pelo menos enquanto os famintos ainda estiverem por aqui a semeando.
Vá com Deus
João Ubaldo Ribeiro. E, se possível, com sua caneta brilhosa e brejeira, tente riscar
o nome do colega Rubem Alves – outra manaíba de aipim da mesma estirpe – do livrão
de São Pedro. Isto é, se este já não estiver lavrado em um celestial arquivo word.
[1]
RIBEIRO, João Ubaldo, O sorriso do
lagarto, RJ, Alfaguara Brasil, 2009
[2]
RIBEIRO, João Ubaldo, A raiz de mandioca
da viúva monção, disponível em: http://www.releituras.com/joaoubaldo_mandioca.asp
[3]
idem
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