sexta-feira, 18 de julho de 2014

Sobre a profundeza das raízes de macaxeira




Houve um tempo em que aqueles que escreviam não escreviam apenas por escrever ou só porque alguém lhes encomendava a obra por um belo pacote. Houve um tempo em que a escrita era como a semeadura. Não escreviam apenas. Plantavam sementes. É certo que alguns plantavam sementes de pimenteira enquanto outros plantavam sementes de gerânios e orquídeas. Tinham ainda aqueles que plantavam sementes de abobrinha; mas abobrinha qualidade, abobrinha da boa.
Pra quem já comeu muito dos frutos dessas boas sementes, a safra de hoje parece um tanto quanto insípida, amarrando até na boca – isso quando temos coragem de levá-la à boca. Não sei se esse gosto ruim é devido à falta de paladar, já gasto pra essas novidades ou se isso se deve às contingências que a velocidade da vida nos impõe, nos obrigando a engolir as foods cada vez mais fast.  Ou talvez seja o novo jeito plástico de ser que nos faz acostumar – e até gostar - mais dos enplasticados do que das frutas coloridas, das raízes cruas ou das carnes dos pedaços de boi de verdade. Aqui cabe duas notas: enlatados já ficaram pra trás, então segue um neologismo: enplasticados. E sobre os pedaços de boi de verdade, fiquei pensando no que outro dia meu filhinho me perguntou: “pai, de que parte do boi vem o hambúrguer ?” e eu pensei... pensei e respondi: “de todas meu filho... de todas e mais algumas”. É por isso quero boi de verdade; pra mim, pros meus filhos , pros filhos dos meus filhos e pros filhos deles, mesmo que o boi seja - como vovó dizia – uma vaca depois de morto.
Mas, voltando à vaca fria, em tempos de tecnologias que fazem com que a caminhada na lua pareça brincadeira de criança, fica uma questão: será que o gosto insosso dos produtos da terra de hoje não viria dos “melhoramentos” genéticos originários daquelas experiências em Itaparica [1]?
Não sei. Só sei que nós, famintos, precisamos mais das raízes de mandioca da viúva monção, aquele aipim de 64 quilos !. “Agora, imagine isso aí, jardim por jardim, quintal por quintal. Não havia mais o problema da fome.”[2]  Pois é... sonho meu que “sou contra a fome”[3].
E no dia de hoje, nessa manhã fria, cinzenta e chuvosa, quando a tristeza se abate sobre aqueles que sentem uma fome descomunal por bons frutos de boas sementes, só resta a esperança de que aquela semente que desce à terra nesta manhã – reconhecidamente uma manaíba de macaxeira de ótima safra, talvez a última das boas – não seja esquecida pelos novos seres enplasticados comedores de fast food.
Garanto que ela não será. Pelo menos enquanto os famintos ainda estiverem por aqui a semeando.
Vá com Deus João Ubaldo Ribeiro. E, se possível, com sua caneta brilhosa e brejeira, tente riscar o nome do colega Rubem Alves – outra manaíba de aipim da mesma estirpe – do livrão de São Pedro. Isto é, se este já não estiver lavrado em um celestial arquivo word.
 


[1] RIBEIRO, João Ubaldo, O sorriso do lagarto, RJ, Alfaguara Brasil, 2009
[2] RIBEIRO, João Ubaldo, A raiz de mandioca da viúva monção, disponível em: http://www.releituras.com/joaoubaldo_mandioca.asp
[3] idem




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